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14 de agosto de 2011

Conheça Guia Lopes da Laguna


Eis a história que me contaram: Primeiro foram os castelhanos que povoaram a planície matogrossense que divisava com terras paraguaias, depois os bandeirantes paulistas chegaram botando banca. No final do século XVIII eles inventaram de fazer um presídio junto ao rio Miranda, mas o trecho lagunense ainda era desabitado, até chegarem por lá o seu José Francisco Lopes e sua família, em meados do século XIX.

Ele se mandou de São Roque de Minas pro Mato Grosso em busca de um sonho , invadiu as terras indígenas e armou tenda no vale do rio Miranda para criar gado na Fazenda Jardim. Vendo que a região era boa, a família Barbosa desceu a serra de Maracaju e foi criar uns boizinhos por lá também. E Chico Lopes ganhou vizinhos. 

A GUERRA COMO VOCÊ NUNCA VIU

Você lembra da Guerra do Paraguai? Não? Nem eu, mas ela existiu e o Visconde de Taunay escreveu sobre ela. Dizem que naquele país tinha um sujeito de nome Francisco Solano Lopes, que mandava pra caramba e que pretendia abrir um caminho para o Oceano Atlântico e no ano de 1864 ele invadiu o Mato Grosso. Depois invadiria o Rio Grande do Sul e a Argentina. O Brasil não gostou nada das intenções de Solano e fez uma aliança com o Uruguai e a Argentina, na maior de todas as guerras sulamericanas.

Há uma outra versão que conta que a Inglaterra expandia vertiginosamente seu império explorador capitalista pelo mundo, submetendo tudo quanto era país terceiro-mundista aos seus caprichos, inclusive o Brasil e  que um pequeno país chamado Paraguai não se submetia aos seus interesses, então os ingleses resolveram conquistá-lo a qualquer custo, usando covardemente La Triple Alianza contra ele.

Esse pequeno guerreiro, encravado na América do Sul, investia pesado em sua industrialização, produção mineral e têxtil e em transportes, sem depender em nadica de nada dos arrogantes europeus e isso teria motivado a tal da Guerra Grande.

Charge de Enzo Pertile (Fonte: ea.co.py)

Umas 300 mil pessoas morreram nessa guerra idiota (como todas as guerras), entre elas um quinto da população paraguaia, o país teve um colapso econômico e produtivo e o Brasil também teve imensos prejuízos. Só quem ganhou foi a Inglaterra, que veio aqui dar pitaco com a desculpinha de apoiar a gente, mas tava mesmo preocupada era com os próprios interesses comerciais.

Mal começou a guerra, os paraguaios se meteram Brasil adentro e Chico Lopes, que morava perto da fronteira, teve sua esposa e filhos sequestrados pelos invasores. E é claro que ele ficou muito furioso. Se alistou rapidinho no exército brasileiro e deu, sem a menor cerimônia, o próprio gado para alimentar os soldados. E como conhecia a região como a palma de sua mão, se ofereceu para ir com eles Paraguai adentro, na esperança de vingar-se dos malfeitores e resgatar sua amada família.

Ou foi isso, ou os índios paraguaios raptaram a família do latifundiário Chico Lopes para se vingarem dele pela invasão e exploração de suas terras para a criação de gado. Lopes é também tido como assassino de índios, criminoso de guerra e vassalo do poderoso império britânico.

A tentativa de incursão em território inimigo foi um fiasco, não deu certo, e antes de chegar do lado de lá a tropa adoeceu de cólera, tifo e beribéri, passou fome e teve que dar no pé para não morrer.  Humilhante. E mais uma vez o conhecimento e a determinação de Lopes foram decisivos para salvar a vida de 700 sobreviventes entre os 3.000 soldados que se aventuravam naqueles pampas, guiando eles de volta para despistar os paraguaios que os perseguiam. Esse episódio foi chamado de Retirada da Laguna, mas foi uma fuga mesmo.

Lopes sucumbiu à cólera, mas não antes de levar a tropa em segurança até a várzea lagunense. Morreu e foi enterrado na margem do rio Miranda, lugar hoje chamado Cemitério dos Heróis. Seus companheiros contaram que ele falava: "Saibamos morrer; os sobreviventes dirão o que fizemos". Eu teria preferido viver no anonimato! Mas voltemos à tal da história. O conflito só acabou em 1870.

A HOMENAGEM AO POLÊMICO GUIA

Quase ninguém aparecia no trecho, até que em 1937 os militares acamparam beirando o rio durante a construção da rodovia ligando Aquidauana, Porto Murtinho e Bela Vista. Naqueles tempos o progresso era rápido e o povoado cresceu. Em 19 de março de 1938 os moradores fizeram uma homenagem a Chico Lopes e deram ao vilarejo o nome de Patrimônio Guia Lopes.

Guia Lopes (Fonte: Associação Pernambucana de Escoteiros)

Lei vai... Lei vem... Em 30 de setembro de 1948 foi dado ao belo prado o nome de Guia Lopes da Laguna, mas ficou um impasse entre Nioaque e Ponta Porã - que ora existia, ora não - pela posse do território... E só em 11 de dezembro de 1953 foi criado o município lagunense, instalado aos 7 de fevereiro de 1954. De lá pra cá surgiu o Estado do Mato Grosso do Sul, onde está situada a simpática cidadezinha.

AS BELEZAS NATURAIS DO MUNICÍPIO

A oeste da Serra de Maracaju, na região da Bodoquena, Guia Lopes da Laguna ainda guarda paisagens de inestimável valor, apesar da exploração pecuária já haver devastado significativamente sua vegetação e expulsado milhares de animais. Rica em águas, é onde os rios Santo Antonio e Miranda se encontram entre várzeas povoadas de capivaras.

 Rio santo Antonio (Fonte: Câmara Municipal)

Cachoeira do Rio Canindé (Fonte: Câmara Municipal)

A cachoeira do rio Canindé encanta e faz lembrar que estamos a apenas 60 Km das belezas naturais de Bonito. Corredeiras fazem dos cursos d'água lagunenses um grande atrativo para praticantes de rafting. 

GUIA LOPES DA LAGUNA HOJE EM DIA

 
Igreja de São José (Foto: Paulo Yuri Takarada/Panaramio)

De acordo com o censo populacional de 2010, Guia Lopes da Laguna tinha 10.366 habitantes. Conurbada com a mais progressiva Jardim, seu povo não presencia o desenvolvimento esperado e sua economia se baseia na pecuária bovina de corte e leiteira, tendo inclusive um frigorífico e um laticínio.

A meliponicultura parece forte, mas a drástica redução da cobertura vegetal compromete a vida das abelhas e a expansão dos negócios apícolas. Na agricultura observa-se tipicamente o plantio de subsistência de arroz, banana, cítricos, hortaliças, mandioca e milho e outros cultivares menos presentes.

PARECE UM RIO MAS É UMA RUA

A falta de carinho e de cuidado pela cidade aparecem nesta imagem, que mostra a situação de ruas em um bairro no período chuvoso do começo deste ano, segundo versão de moradores.

Eles não estão nada contentes com o prefeito Jácomo Dagostin (PMDB) e pelo que percebi, nem com seu antecessor Nelson Inácio Moreno (PSDB). Antes deles teve o Carlos Roberto Saravy de Souza (PDT), o Elizeu dos Santos (PMDB) e por aí vai...

Ruas da periferia: abandono e tráfico de drogas.

Antigamente, ou você era Rosalvista, ou era Ranolfista, hoje você já tem mais opções. E segue a história lagunense.

Apesar disso, ainda continua valendo a pena dar uma passadinha em Guia Lopes, nem que seja só pra tomar um tereré gelado. Para quem preferir esperar mais um pouco, parece que o pessoal por lá anda garimpando a história, inclusive com a descoberta de trincheiras da guerra e de um sítio arqueológico aparentemente indígena.

INICIATIVAS DO PROJETO RONDON 

Com vocação turística ainda não explorada, a charmosa Guia Lopes parece amargar um papel secundário no desenvolvimento da região. O Museu da Guerra do Paraguai deve ser mais um atrativo histórico, no prédio antigo da prefeitura e até a estrutura de hospedagem, que geralmente é voltada ao turismo autônomo de pesca, parece estar sendo organizada.

E a Feira do Mel deve sair mesmo em outubro. Parece que em 12 dias os estudantes do Projeto Rondon fizeram mais pelo futuro econômico e social do município que muito marmanjo em 4 anos. Parabéns à galera do Centro Universitário de Volta Redonda e da Universidade Comunitária da Região de Chapecó.

Para quem ficou boiando, o Ministério da Defesa mantém um projeto social  chamado Rondon, que incentiva e apóia estudantes universitários de várias áreas na busca de soluções para regiões menos favorecidas, um exercício de cidadania. O projeto foi criado em 1967 e extinto em 1989, mas o presidente Lula o recriou em 2005, a pedido da UNE (União Nacional dos Estudantes).

Você ainda vai ouvir falar dessas pessoas: Alanza Zanini (acadêmica de Ciências Biológicas), Juliana Bortolin (acadêmica de Serviço Social), André Giachim (acadêmico de Farmácia), Vagner Lopes (professor do curso de Agronomia), Etileiver Paludo (acadêmico de Agronomia), Cleusa Anschau (professora do curso de Economia), Ana Paula Bourscheid (acadêmica de Jornalismo) e Julhéli Girardelo (acadêmica de Farmácia).
No mês passado, alunos da universidade carioca Unifoa e da catarinense Unochapecó viveram essa experiência por quase duas semanas em Guia Lopes, na Operação Arara Azul, que promoveu atividades nas áreas de cultura, direitos humanos e justiça, educação e saúde, comunicação, tecnologia e produção, meio ambiente e trabalho. A foto é de uma das várias equipes rondonistas engajadas no trabalho e está no blog dos estudantes, onde você pode saber mais.

E como nem tudo está perdido no vale do Miranda, recentemente andei vendo até vereador tucano pedindo asfalto para o governo estadual, o que é muito bom, porque o povo merece viver sem lama e poeira na porta de casa. Quem sabe desta vez melhora, não é? Tenho esperança


HINO DE GUIA LOPES DA LAGUNA
(Letra e a Música de Nelson Biasoli)

Berço amado, por Deus abençoado,
no passado de muitas Bandeiras,
ao som dos clarins e o rufar dos tambores,
eEra a retirada gloriosa sem temores.

Cantando em versos e poemas
uma herança honrosa, de imenso cabedal,
num laurel, qual um diadema
do teu guia, forte e imortal.

Seguido por todos...
Desde o palácio, à casa modesta,
os patriotas moveram sem tardança
uma zaguaia, um sabre, um bacamarte, uma lança.

  Tão heróica, foi a avançada,
suplantando até a fúria irada,
assim Lopes entrou para a História do Brasil,
num grito de vitória de um povo varonil.

Página bela, gente valente,
terra bendita do Mato Grosso do Sul,
caminha para frente, buscando o progresso,
olhando o horizonte deste imenso céu azul.

No presente, teu filho apanha o bastão
e constrói esta cidade de heroísmo e fortuna.
Numa epopéia de paz, se ergueu
Guia Lopes da Laguna.

“Não basta olhar o mapa do Brasil aberto sobre a mesa de trabalho ou pregado à parede de nossa casa. É necessário andar sobre ele para sentir de perto as angústias do povo, suas esperanças, seus dramas ou suas tragédias; sua história, e sua fé no destino da nacionalidade.”

Equipe do Projeto Rondon - da USP - 1979

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